A Gaiola Dourada da Vida

A Gaiola Dourada da Vida

 

Eis-me aqui em minha gaiola dourada.

Artefato que construí e defendo para sobreviver,

Que me dá alguma dignidade escrever meus dias,

Mas do qual também eu próprio sou refém.

Eis que a vejo por momentos com sua porta aberta,

E então eu não fujo, apenas saio,

Como se isto fosse possível,

Alço voos que viram letras

Que talvez antes sejam mero testemunho

De minha suposta lucidez,

Ou que eu próprio já imaginei ser minha loucura.

Não visa o estético, mas acaba por ser arte,

Por ser expressão fidedigna

De um olhar sobre o fato do meu 'eu' existir.

E que não se veja aqui qualquer vaidade ou orgulho,

O tempo e consciência nos faz ter algum pudor de alma,

E eis que de algum modo faço este pacto comigo.

Não se trata de desprezo aos outros,

Mas ser honesto comigo,

Não me iludir com as astúcias do ego.

E assim é que declaro

Que gostaria de ser semente que brota,

Mas que entendo que isto não cabe a mim apenas,

Sou pequena parte, ínfima parte de um Todo.

E é estranho que neste me sentir tão minúsculo,

É que me permito encontrar grandeza que não sou

Mas da qual faço parte, não por minha vontade.

Afinal, minha existência é compulsória,

E eu sei bem o quanto de rebelião há em mim.

Eis que meu álibi é minha boa vontade,

Eis que a ela me apego para me manter em batalha,

Não é vontade de vencer,

Mas de encontrar paz.

A forja da vida desencanta aos que veem por suas frestas,

Mas viver é princípio estabelecido.

Como viver? Eis a questão,

Já disse algum autor exausto de si,

“Senhor livrai-me de meu livre arbítrio”

E nisto a filosofia se encontra com o fruto proibido,

A suculenta fruta da árvore do saber,

De ter a efetiva noção de ser,

E então percebo o quanto está além da compreensão.

E nesta desconexão entre homem e alma,

Então o que se faz necessário ser feito a cada dia,

E o que se precisa fazer para ir além deste cotidiano.

Afinal o cotidiano não se basta,

Em muito se faz distante para sermos como coletividade,

E isto não apagará o fato de sermos individualidade.

Não mudará o fato de termos a solidão de nossa consciência.

Não nos livrará do destino de sermos julgados por nossos atos,

Eis que o verbo de cada um se encontrará com o seu próprio ser.

E qual será a extensão deste ser?

Hora de voltar a minha gaiola dourada,

As asas do pensar querem prosseguir,

Mas é tanto espaço que não sei para onde ir,

Então retorno, busco disciplina para continuar os meus dias,

E tudo acaba por se resumir numa esperança,

Na fé de um Propósito maior,

De que tudo isto não seja em vão.

E então respiro, silencio-me e calado em mim,

Degusto um pouco de liberdade de um instante,

E isto por hora é o que basta.

Gilberto Brandão Marcon

25/09/2022