Entre o portão da minha casa
E o limiar confuso da minha rua
Corre um rio chamado Estige
Ali avisto a ninfa banhado-se nua
Vivo nele, embora por lá jamais estive
Mas sei que ele escoa tranquilamente
Nas águas turbulentas da minha existência
Lavando a tudo o que ainda havia em mim
Levando meus sonhos e a minha demência
Junto com meus conceitos mais arraigados
Leva também as sementes da minha essência
Elas que estiveram sempre soltas ao vento
Sem jamais frutificarem, foram abandonadas
Agora voltam a germinar tocadas pelo tempo
Ele que sempre me arrasta ao destino final
Por caminhos tortuosos, incertos, sem igual
Quando vislumbrei pela primeira vez o rio
Era somente um fio de água bastante tênue
Tentei represá-lo, extingui-lo, mas nada o feriu
A cada pedra que jogava, barrando o seu fluxo
Mais ele crescia e, aos poucos, me absorvia
Ele foi subindo, tornando-se comparável ao mar
Logo inundou minha rua, depois cobriu meu lar, 
Finalmente ele cresceu e abarcou ao meu mundo
Parece-me absurdo dizer, mas nesse rio sem par
Onde agora mora meu ser, minha alma, meu tudo
Eu procuro a minha essência, junto da alma cativa
Tento, inutilmente, encontrar minha existência perdida
Amedrontado por não saber o destino que me foi reservado
Sem saber se por ter tentado extingui-lo posso eu ser culpado
Mas o riozinho, agora quase um mar, não me maltrata
Ele me acolhe, caprichosamente, em suas águas tranquilas
Às vezes parece sussurrar-me ao ouvido de forma cordata
Palavras doces como o mel, noutras amargas como o fel
Esse rio abarcou tudo a minha volta, aprisionou-me no ventre
Como se ele mesmo me tivesse parido e quisesse de volta
Procuro entregar-me as águas do rio, mas fico dividido entre
sentimentos de amor e ódio, parecendo avisar-me que fuja,
Enquanto meu ser refulge extasiado sentindo-se do rio amado
Sigo eu andando pela vida apaixonadamente amargurado
Assistindo, respeitosamente, a passagem do rio inabalado
Vendo a paisagem ao longe no horizonte dos meus sonhos
Olho ao redor, há vida fervilhando, mas parece-me tristonho
Somente ao rio parece que nada, definitivamente, importa
Segue tranquilo batendo, mais uma vez, em minha porta
Ouço a batida insistente, pressinto como fosse um calafrio
É meu destino buscando-me novamente, abro os olhos e rio.

Brasília-DF, 19 de outubro de 2009.
 

Claudio Reus
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