Digestão

Foi bom abrir as últimas janelas desse livro,
E dar de cara contigo mastigando perfumes.
Sei que esse ar que me cerca
Já há de abandonar estes lumes,
E que, em breve, estarás pelas terras da garoa.
Mas vê-la devorando flores
Me fez lembrar de coisas boas,
Como, por exemplo,
Devorar você.


Daí que me imaginei num banquete da Saura;
Na verdade, imaginei um festim diabólico,
Onde, dentro da mesa, estávamos nós.
Nada de Romeu e Julieta..!
Apenas dois corpos inertes, numa dúvida feroz,
Se deveríamos – ou não- ter feito algum barulho...
Não liga não...é que devo estar ainda meio bêbado,
Ou sob efeitos do bagulho que fumei
Na adolescência passada.


Sabe, contigo aprendi o significado
Da palavra
Namorada.
E, por mais que esse conceito
Não me tenha atravessado a garganta,
Não adianta:
Degusto-o como quem rumina amores.
Não sinto, nem melancolias, tampouco dores,
Pois se algum dia eu digerir tudo isso,
Terei perdido o compromisso
De fazer altar da terra que tu pisas.
Se te mastigo sob lembranças precisas,
Teimarei, por toda a minha vida,
Em nunca engolí-la para dentro de mim,
Já que sei que todo amor -de verdade- deveria ser assim:
Indigesto, tal a incapacidade de seguir,
Como o gesto que dói quando afasta
Já sabendo que vai partir

Ogro da Fiona
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